Ao entrar formalmente para o quadro de sócios da Piloto, uma fábrica de embalagens que presta serviços até para grandes supermercados, em 2012, Paula Mendes de Carvalho tinha 28 anos de idade, era beneficiária do programa Bolsa Família, e morava na pacata cidade de Caiapônia, a 335 km da capital de Goiás (GO).
Apesar de ser há mais de 10 anos a única sócia de uma companhia com movimentação anual de mais de R$ 10 milhões, Paula nunca é vista na Piloto. Isso porque ela frequenta sua estação de trabalho no departamento de faturamento de uma empresa goiana de cultivo de soja e milho que nada tem a ver com a fábrica de embalagens. “A um mês de completar 5 anos nesta empresa que tanto amo, sou grata por todo aprendizado e crescimento profissional e pessoal concedida a mim”, disse Paula, quando foi promovida de supervisora para coordenadora de sua área.
Em seu LinkedIn, rede social profissional, ela expõe seu cotidiano na companhia, sem qualquer menção à fábrica de embalagens que está formalmente em seu nome. Somente no ano em que foi admitida como funcionária da empresa para a qual trabalha, a Piloto, organização que está em seu nome, teve um ativo circulante de R$ 12 milhões. O que pode explicar a situação de Paula — assalariada e dona de uma grande fábrica ao mesmo tempo — é uma enxurrada de processos judiciais e investigações criminais que apontam para o uso de laranjas pelo empresário goiano Guimar Alves da Silva. Entre eles, está a dona “formal” da Piloto.
Esquema criminoso
De acordo com a reportagem veiculada pelo Metrópoles, além das investigações na esfera criminal, Guimar é alvo de uma série de cobranças de grandes companhias e até do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Essas empresas e o banco federal, que acabou vendendo o crédito da dívida de Guimar para um fundo de investimentos, acusaram a fraude para driblar o pagamento de dívidas.
Atualmente, ele responde a mais de uma dezena de processos por dívidas que chegam a R$ 87 milhões. Em nome dele, só há companhias antigas com registros cancelados. A Justiça, quando procura bens e contas bancárias para satisfazer dívidas, não encontra nada. Essas empresas, então, passaram a mapear pessoas da relação com empresário e propriedades em nome delas. Acabaram encontrando empreendimentos e imóveis dele todos em nome de terceiros.
Em investigações do Ministério Público (MP), Guimar foi pego colocando empresas e fazendas em nome de parentes e funcionários. Ele foi condenado por sonegação fiscal na Justiça Federal — ainda cabe recurso. Em outra investigação, auditores do trabalho encontraram funcionários de uma fazenda em condições degradantes — eles bebiam a mesma água dos cavalos. Nesse inquérito, ele não apenas admitiu que as terras estão em nome de um humilde funcionário como a culpa pelo suposto trabalho análogo à escravidão.
Guimar se apresenta como o verdadeiro dono da Piloto, apesar de não assinar sequer um documento como sócio formal da companhia. Em processos trabalhistas contra a empresa obtidos pelo Metrópoles, relata-se que ninguém nunca vê Paula na empresa e Guimar é quem dá as cartas. No caso de Paula, ela é citada em uma ação de cobrança milionária movida contra Guimar pela empresa Polo Indústria, do ramo de plástico. Segundo ela, Guimar não tem um centavo em suas contas e põe diversas propriedades e pessoas jurídicas em nome de laranjas, assim como a ex-beneficiária do Bolsa Família.
Como informado pela Piloto, em um processo movido no Judiciário goiano, trata-se da “mesma regra de sempre: pessoas simples que ‘alugam seus nomes’ e talvez não imaginam o gigantesco esquema fraudulento em que foram envolvidas”.
“Desta vez, a suposta única sócia da Embalagens Piloto, é auxiliar de escritório com renda estimada de R$ 5.000,00, beneficiária do programa Bolsa Família, trabalhadora com carteira assinada”, afirma a empresa credora.
Ligações de Guimar
Entre empresários e políticos de Goiás, Guimar tem boas relações. Aparece nas redes sociais em fotos com senadores, deputados e até secretário de Estado. Na condição de dono da Piloto, que está em nome de Paula, ele já foi até citado em uma coluna social de um jornal local.
“Ele alugou o Rabo de Arraia e montou estrutura de luxo para receber sua turma, que contou com luxos como massagista na beira do rio, luau com direito a sanfoneiros e duplas sertanejas. Opção de passeio de helicóptero na região e brinquedoteca eram outros serviços disponíveis no rancho”, disse a publicação, em 2011.