Recentemente, a Venezuela informou oficialmente o derretimento de sua última geleira. A gigante La Corona, um dos pontos turísticos mais populares e queridos por brasileiros e outros visitantes do mundo inteiro entre as décadas de 1950 e 1980, que cobria 4,5 quilômetros quadrados no Parque de Serra Nevada, foi reclassificada pelos cientistas como um simples campo de gelo. A decisão é histórica, visto que coloca a nação localizada na América do Sul como o primeiro país a perder todas as suas geleiras.
O comunicado, feito recentemente, representa uma grande derrota contra as mudanças climáticas, especialmente no continente latino-americano. Isso porque La Corona era mais que uma atração turística que ficava próxima ao Pico Humboldt, a quase 5 mil metros de altitude, era um símbolo da natureza, e seu completo derretimento representa um impacto real na vida dos venezuelanos e, consequentemente, do nosso planeta.
Na primeira década do século passado, a Venezuela ostentava seis geleiras, que cobriam uma área total de 1.000 quilômetros quadrados, e, em 1956, o Clube Andino Venezuelano organizou um campeonato de esqui cross-country nas montanhas do Pico Espejo, no estado de Mérida. O que restou de tudo isso, em 2024, foi um “um pedaço de gelo com 0,4% do seu tamanho original”, afirmou o professor Julio Cesar Centeno, da Universidade dos Andes, à agência de notícias AFP.
Afinal de contas, por que La Corona não é mais uma geleira?
Se levarmos em conta os padrões internacionais, uma geleira precisa medir pelo menos 10 hectares, o equivalente a 0,1 quilômetro quadrado. Esse padrão já havia sido perdido, desde 2011, pelas geleiras existentes nos picos El León, La Concha, El Toro e Bolívar. Inclusive, uma pesquisa feita nos últimos cinco anos apontou uma perda de 98% na cobertura glacial da Venezuela entre 1953 e 2019, sendo de 17% nos últimos quatro anos do período analisado.
Em uma tentativa desesperada para “proteger” a geleira, autoridades venezuelanas tentaram cobrir o que restou de gelo com uma cobertura de polipropileno, como as utilizadas em países alpinos para proteger as pistas de esqui durante o verão. A medida foi anunciada pelo presidente Nicolás Maduro, alegando que o plano visa “salvar as geleiras de Mérida”. No entanto, a operação, que envolveu 35 rolos de manto, cada um com 2,75 metros de largura por 80 metros de comprimento, levados para o pico em helicópteros militares, é considerada inútil, visto que restam apenas 2 hectares dos 450 que ligavam Humboldt ao pico Bonpland.
Tentativa de resgate
O mirabolante plano de salvação, não conseguiu evitar o desastre ambiental e provocou protestos entre os cientistas e conservacionistas da nação. “Estão ‘protegendo’ uma geleira que não existe mais“, diz Centeno. “É uma coisa ilusória, uma alucinação, é completamente absurdo”, concluiu.
Além disso, para piorar a situação, a iniciativa tem potencial para contaminar todo o ecossistema do parque, visto que à medida que o tecido “protetor” se decompõe, ele se transforma em microplásticos com o tempo. “Esses microplásticos são praticamente invisíveis, vão para o solo e de lá vão para as plantações, para as lagoas, para o ar, então as pessoas vão acabar comendo e respirando isso”, alertou Centeno.